sábado, 13 de outubro de 2007

Complexidade...

Quando se passa por uma situação crítica, é comum percebermos como não damos a devida atenção a determinados acontecimentos da vida. Como já disse diversas vezes nesse blog, eu odeio auto-ajuda, mas, quando toco no assunto relacionado à minha luta contra a leucemia não dá para não soar como tal.
Experiências extremas nos levam a pensar. Pensar... e pensar de uma forma que era como se nunca houvessemos pensando antes. Nunca nos detivemos ali, naquele instante, naquele momento e prestado atenção a tudo o que corre em nossa volta.
Ao passar oito meses morando no hospital, fui obrigado a me deter. Literalmente parar. Quando me sentava na área verde do hospital, observava os pássaros: como são independetes, vivem e não têm consciência de sua própria existência. E nós, racionais, sofremos por determos o tão grandioso "saber".
Outra coisa que pude perceber durante minha estadia no hospital é que existem diversos tipos de doação. Existe doação de sangue, doação de órgãos, de tempo, de carinho, de atenção, de dinheiro, de fé, de orações, de sentimentos... enfim, doações estão aí para quem as quiser dispor. Recebi muitas, senão todas, dessas doações de que mencionei. E me sinto um privilegiado por isso. Nesses instantes de complexidade é que se pode vivenciar plenamente não apenas laços de amizade e parentesco, mas laços de compaixão entre seres humanos.
Perdi a conta das pessoas com quem dividi os quartos do hospital, algumas nem lembro mais do rosto, outras sei que se partiram. Mas algumas das quais convivi e "morei" demonstraram e doaram tanto carinho, atenção e amor que marcaram para sempre minha existência.
Alguns me admiravam, outros me olhavam de viés, outros tinham medo, outros demonstravam o medo de que eu falecesse e não passasse daquele momento. Mas estavam ali. E, pelo olhara, pelo gesto de cada um, pude perceber que a existência, a felicidade, a tristeza, a dor e o sofrimento são únicos: estamos sós em nossa existência... mas existem laços de existência, redes! Redes que se conectam e demonstram poder.

Mas o que me incomoda nisso tudo é que, ao olhar para os oito meses de hospitalização aos quais fui submetido, não me lembro de quase nada... estranho!
Segunda estarei de volta a um leito hospitalar. Dividirei novamente o quarto com mais um paciente, com pernilongos e com um acompanhante que obrigatoriamente terá que velar por mim em função da minha imobilidade. Mas prometi a mim mesmo registrar cada sensação: boa ou ruim dessa fase e tirar dela o maior e melhor aprendizado disso.

Melhor que isso, só prosseguir adiante.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Uma ode a dois irmãos spartanos


Eu estava machucado e surrado

E não conseguiria dizer o que sentia.

Eu estava irreconhecível para mim mesmo,

Vi meu reflexo numa janela,

Eu não conheci meu próprio rosto.
Irmão, você vai me abandonar definhando

Nas ruas da Filadélfia?
Eu caminhei pela avenida até que minhas pernas pareciam pedra,

Eu ouvi as vozes de amigos desaparecidos e mortos...

À noite eu podia ouvir o sangue em minhas veias,

Exatamente tão escuro e sussurrante como a chuvaNas ruas da Filadélfia.
Nenhum anjo vai me acolher?

É apenas você e eu, meu amigo,

E minhas roupas não me servem mais.

Eu caminhei mil milhas apenas para livrar-me dessa pele.
A noite caiu, estou deitado [mas] acordado,

Eu posso sentir a mim mesmo desfalecendo.

Então me receba irmão, com seus beijos desleais,

Ou nós abandonaremos um ao outro sozinhos desse jeito

Nas ruas da Filadélfia?


Tradução da letra da música:
Streets Of Philadelphia, de Bruce Springsteen
Brother, te amo pa caralho! Nunca desista! Estamos nessa juntos! Sempre!

sábado, 6 de outubro de 2007

Homenagem a um Guerreiro

Hoje, a Terra ficou um pouco mais sem-graça com a ausência perene de meu querido conhecido Iohan. Ele lutou incessantemente contra a leucemia durante muito tempo, conseguindo um doador. Mas, ao fazer o transplante, infelizmente, não resistiu às infeções. Quem o conheceu, recebia diariamente seus poemas no orkut e vivenciou mesmo que de longe suas esperanças e frustrações, sabe o quanto ele lutou.

Iohan foi e sempre será fonte de inspiração e luta para todos e principalmente para pessoas como eu, em tratamento de câncer, pois, por mais que doa, por mais que haja sofrimento, nunca é hora de desistir.

(O desenho do anjo azul postado aqui se trata da imagem que Iohan usava em seu perfil no Orkut, sob o codinome de Guerreiro Navajo)

Termino essa postagem com uma notícia boa, que coincidentemente me ocorreu hoje e me encheu novamente de esperanças:

"O banco nacional de medula óssea, coordenado pelo Instituto Nacional do Câncer, o Inca, chegou a marca de 500 mil doadores, aumentando a esperança de doadores de pacientes de quase todo o país."


SEJA UM DOADOR DE MEDULA ÓSSEA - UM PEQUENO GESTO DE AMOR QUE SALVA VIDAS! Saiba como no site: www.inca.org.br

Alguma objetividade na fossa...


De vez em quando, me deparo com as gravuras de Francisco Goya (1746-1828) e reflito sobre questões que rodeiam meu cotidiano. Goya retratava em suas gravuras muitas de suas frustrações, dores e sensações indesejadas. Bom, pelo menos é a aparente mensagem que ele nos deixou. Em algumas obras, Goya utiliza a ridicularização de uma forma tão peculiar que impõe espanto. Retrata não só a dor do ridicularizado, mas também a satisfação "perversa" do ridicularizador. Goya era, aparentemente, muito exigente e duro consigo mesmo. Me identifico com ele nesse quesito. Porém, tais exigências nos demandam muita energia e nos levam para estados desanimadores. Mas em algum lugar lá em baixo, acredito que o próprio Eu passa a ridicularizar-se! Passo a ver a força que tenho para reerguer-me e como é fútil sofrer, apesar de estar presente e insistente, a dor. O difícil é lidar com a vergonha de si. Por isso que abomino livros de auto-ajuda, pois, julgo-os deliberadamente enlouquecedores. Sim, enlouquecedores! Eles incutem no sujeito uma auto-exigência e um sentimento de culpa pela inatingibilidade dos objetivos impostos sem precedentes!
Por isso, fico com Goya ao retratar, em meus desenhos e meus textos as lições que a fossa nos dá... e como é fácil e ridículo sair dela.

Fui.

PS. Pernilongos são um inferno na Terra.

sábado, 8 de setembro de 2007

Questão honorária


O que destrói realmente o homem, e pode levar a um caminho sem volta, é a falta de experiência em saber avaliar e decidir sobre as inúmeras possibilidades livres à sua frente. Eu sou um desses que, antes acostumado ao cabresto social, nunca saberei se estou mais próximo de Deus ou do Diabo.


Mas isso realmente importa? Afinal de contas, o que afeta o homem é de sua inteira responsabilidade.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Jargões e intempéries

(Des)educação:

O mais dífil , mesmo, é a arte de (des)aprender a ler.

Do sonho:

"Sonhar é acordar-se pra dentro" - Mário Quintana

Terrível Instante Cibernético:

Antes de digitar, eu olho, assustado, para a tela branca de susto!

Do paradoxo da fé:

Se Deus sabe o que faz, rezar não seria uma falta de fé?

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Quando é bom ser diretor, sem ser estrela

Inicio essa postagem deixando clara minha antipatia à iniciativas impressas, visuais, etc. que tenham por objetivo o comércio de auto-ajuda. Os que acompanham meu blog perceberam minha "discreta" aversão ao documentário O Segredo. Porém, hoje assisti a um filme instigante. Baseado na obra de Irvin Yalom, o filme Quando Nietzsche Chorou é muito interessante, pois, toca em uma questão atualíssima que é a crescente onda de crises existenciais. As eternas indagações "Quem sou eu? Por que estou aqui? Qual o sentido da realidade?" levam o indivíduo a um estado de angústia que pode acarretar em uma neurose perene. Porém, mais angustiante ainda é quando se chega à beira da morte e se percebe que a vida passou... mas não se esteve presente nela em nenhum instante. Acredito que a maioria da população mundial passa pela vida sem perceber ou questionar isso, mas a ilusão do consumo, a interdependência virtual ocasionada pela internet, o afrouxamento dos relacionamentos pessoais, a promoção cada vez maior do individualismo crônico e, principalmente o narcisismo resultam em angústia e depressão. Ocorre, então, um esvaziamento do Ego, em função da culpa-por-não-ser-assim-ou-assado, medo de morrer solitário (apesar de todos nós, querendo ou não, de fato iremos, pois, a experiência da morte é, logicamente, individual), culpa-por-não-ter-feito-isso-ou-aquilo, por-não-ter-se-permitido, enfim, todas essas questões que estão cada vez mais presentes nos consultórios de psicólogos e psiquiatras e divãs de psicanalistas.
Mas quando se cai em uma crise como essa, o indivíduo, ou o Ego do indivíduo, procurará se defender para evitar ou suportar o sofrimento, como, por exemplo, se isolando do meio, sendo agressivo, soberbo ou narcisista. Apesar de serem formas de defesa do Ego aparentemente antagônicas, ambas são meios de lidar com a estrutura psíquica e suas relações com a realidade.
Voltando ao filme, Josef Bauer, médico renomado e professor de Sigmundo Freud ao se deparar (ficticiamente) com o filósofo Friederich Nietzsche, toma por projeto de vida ajudá-lo atenuar sua neurose suicida. Porém, Bauer não imaginaria que o filósofo é que traria suas neuroses à sua consciência e, o médico, então, passa a ser tratado pelo paciente. Romântico, não? Sim. Porém, é interessante perceber que tanto analista e analisando trocaram experiências mútuas e intercomunicações egóicas importantes. Assim, se ajudam mutuamente, se livrando da culpa e do medo. O método proposto pelo filme para conseguir o autocontrole é simples: procure o analista mais próximo, pois, não existem receitinhas de bolo para o fortalecimento do Ego e o encontro da tão afamada "paz interior". Existem, claro, outros métodos bastante eficientes para se atingir tal objetivo, excetuando o divã, porém, o processo é o mesmo: o indivíduo deve mergulhar dentro de si mesmo e perceber até que ponto foi/é coadjuvante em seu processo de vivência e estruturação do Ego.
Esse processo pode ser longo (ou extremamente curto, podendo durar uma noite de sono ou um dia, por exemplo), doloroso (o que é inegável) e pode causar náuseas! Porém, é importante tomar as rédeas do próprio Eu... penso que esse sim, é o verdadeiro Segredo. O caminho para isso é obviamente subjetivo, porém, o grand finalle é o mesmo para todos: sensação de paz e segurança interior (se for esse o interesse, pois, existem pessoas - e não são minoria - que sentem prazer em sofrer angústias e frustrações... mas isso é assunto para uma postagem futura).
Enfim, dirigir o Ego é fundamental para cada ser humano. Ser diretor, nese caso, é de extrema necessidade. Ser estrela nesse "filme" é bom, porém é algo efêmero e acaba em um narcisismo frustrado. Mas não o que não se pode (nem se deve) é cair no engana-trouxa da autoajuda... please!

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Amor acalentado

Hoje, ao (re)ver o filme Philadelphia, me deparei com uma das cenas mais marcantes do cinema para mim: Tom Hanks, ao som da ópera interpretada por Maria Callas, chora em um monólogo, onde, ao mesmo tempo em que traduz a ópera para o seu advogado (interpretado por D. Washington), mostra os fantasmas que habitam o seu íntimo. "Eu sou o deus que veio do céu para a Terra, para fazer da Terra um céu"... "Eu sou o amor"...

Esse episódio me lembrou de um fato ocorrido na semana passada em um conhecido meu me disse que teria medo de se relacionar com alguém que fosse soropositivo. "É estranho, é preciso ter muita coragem". Acho deprimente que, em pleno século XXI e no próprio meio gay ainda existam preconceitos assim. É como se um vírus tirasse a pessoalidade de alguém e a resumisse a algo execrável, inassociável.

"Os mais preconceituosos são os próprios gays" já dizia uma amiga minha psicanalista. Não só os gays, mas também os negros, os soropositivos e todos os que se enquadram em minorias. Mas Philadelphia é um filme que se traduz em um grito de liberdade em meio a uma sociedade amplamente opressora. Nele, as personagens "afeminadas", como se diz por aqui, estão no meio de homens gays "machos". Na trama, os gays são retratados enquanto pessoas comuns, dignas e não esteriotipadas. É defendida a diversidade e a prática de qualquer representação pessoal, desde que não agressiva.

É necessário pensar em quanto somos preconceituosos e como refletimos isso em nosso meio. Um vírus não tira a dignidade de ninguém, assim como ninguém se resume ao que faz na cama, entre quatro paredes. Um homem "afeminado" pode refletir algo dentro de cada um de nós, principalmente dentro dos próprios gays. Assumir a homossexualidade nada tem a ver com assumir a sexualidade, o que é difícil e que gera preconceitos arrogantes e egocêntricos.

"Eu sou o amor", dizia a ópera. Nós somos o amor. Mas a que ponto deixamo-lo aflorar? Até que ponto somos nós mesmos?

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Seres inconseqüentes

É interessante o comportamento do brasileiro. Observo, na trajetória da sociedade brasileira a salvaguarda em que a população sempre se colocou frente questões de calamidade pública. Como sempre, assuntos polêmicos como caos aéreo, corrupção (o casoRenan Calheiros e Laranjas), lavagem de dinheiro público e prisão de criminosos mundialmente procurados residentes no Brasil fazem parte do nosso cotidiano, passam bem debaixo dos nossos olhos e nem sequer movemos a íris para ver.
Antes pensava que talvez o povo brasileiro seria reacionário, inerte, inatento à realidade em que está inserido. Mas hoje me caiu uma ficha que me ligou em uma situação mais séria: estaríamos simplesmente acostumados com as trajédias, com a corrupção, com a impunidade a ponto de nem sentir que acontecem? E isso seria um fenômeno só nosso ou mundial? Estaríamos num processo de autismo frente a realidade ou a conjuntura em que vivemos?

"- Foram desviados mais de U$ 1,5 dos cofres públicos em esquemas de lavagem de dinheiro."
"- Ah, foi? Ó! Esse país não tem jeito mesmo... agora me diga, o que aconteceu ontem mesmo em Paraíso Tropical? Será que a Paula e a Taís vão se encontrar frente a frente logo?"

A cura para isso eu não consigo enxergar. Sinceramente, nem acredito mais nela. As relações interpessoais são cada vez mais fulgazes, superficiais e efêmeras frente à tecnologia, à internet... o mundo está rodando mais rápido, somos bombardeados a cada segundo com zilhões de informações e somos obrigados pela coletividade a ser cada vez mais dinâmicos. Onde isso vai parar? A depressão, o "mal do século XX" nem é mais preocupante, pois, já faz parte do cotidiano. Agora, soluções individualistas como propostas em "O Segredo" apontam uma auto-cura para todos os problemas da vida de qualquer pessoa (que tenha o mínimo de instrução e grana para investir... Acho que Dhurkeim adoraria ler O Segredo se estivesse vivo). Bom, segundo teorias correntes, você pode o que quiser. Sim, mas qual o caminho para que você consiga o que quer? Quais serão os ganhos primários e os sacrifícios em suas relações pessoais, quais serão as suas perdas como pessoa e ser humano? Mas tudo que jorra dinheiro é mais importante para a mídia...

Tudo é tão inconseqüente como nossa própria existência...

domingo, 10 de junho de 2007

Feriado (pro) longado

O tempo de separar arestas está no aberto a visitações.
Engana-se quem pensa que a vida pode ser só de magia, sem surpresas ou apreensões.
Mas o fato é querer discutir, sentir, (re) considerar, estar aí pro que der e pro que vier já é uma razão para se ser um.